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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Amor de bicho

Amor de bicho - Danuza Leão


Desde o dia em que um gatinho entrou na minha vida, só tive felicidades. Uma amiga me explicou que a escolha de meu futuro companheiro deveria ser determinada não pela aparência física, mas pela compatibilidade; afinal, estamos falando de um parceiro afetuoso com quem se pretende partilhar o resto da vida. Haroldo é tigrado, não faz parte de nenhuma raça nobre, e nós nos adoramos. Fui aprendendo a entender esse amor desmesurado. Nós todos precisamos de carinho; e não só receber como dar. Mas aquela liberdade de abraçar, beijar cada dedinho do pé, o cangote, olhar nos olhos e dizer “eu te adoro, você é minha paixão” só se pode ter com os bebês. Depois, as crianças maiores vão ficando arredias e, por mais que um filho adolescente nos ame, dificilmente vai se aconchegar nos nossos braços para ver um filme na TV ou ficar quietinho enquanto a gente lê um livro ou fala bobagens fazendo um cafuné ou brincando com os pelinhos do seu braço. Quanto mais ele cresce, pior é. Dizem os conhecedores da espécie humana que esse afastamento faz parte do início da sexualidade, mas penso que tem a ver também com nossa cultura, que é tirana: adultos só podem se derreter com crianças muito pequenas.
A partir do momento em que o filho começa a crescer, os pais, pensando na disciplina e no respeito, perdem a espontaneidade e a liberdade de botá-lo no colo e dizer, despudoradamente, quanto o amam. Um certo distanciamento físico passa a permear as relações, e, quando a gente quer segurar as crianças, elas fogem. Não existe maior comunicação entre as pessoas do que o contato físico. Só assim podemos sentir ou expressar, de verdade, a dor, a amizade, a paixão. Há quem diga que nós precisamos dar (e receber) quatro abraços por dia; aquele abraço bom, apertado, caloroso, não necessariamente de amor. Quantos você deu hoje? Pior: quanto tempo faz que você não dá e não recebe nenhum?
Os adultos apaixonados também não se sentem livres para ficar tocando o ser amado, passando a mão na perna ou brincando com a pontinha da orelha. Talvez para não demonstrar demais seu afeto, talvez porque o outro não goste dessa intimidade, o fato é que a aproximação física só começa, praticamente, na pré-cama. Quem hoje ficaria brincando durante horas, de leve, com a mão do namorado? E o medo de ele achar que a parada está ganha? E o receio de se mostrar apaixonada? É por essa necessidade de dar e receber carinho que muitas pessoas elegem um gatinho: para poder coçar a cabeça e a barriguinha dele e dizer várias vezes “eu te amo de paixão” sem se achar ridículas – quando não há ninguém por perto, claro. Os gatos são tudo o que se pode querer, mas bem abusados: costumam usar nossa mão como travesseiro e ficam dormindo de pernas para o ar, enquanto nós, babacas apaixonadas, não nos movemos para não perturbar o sono deles. E muito folgados: se estiverem brincando e a gente chamar, não estão nem aí (mas a gente os ama assim mesmo). O escultor Giacometti (Alberto Giacometti, suíço) disse uma vez que entre salvar a vida de um só gato ou todas as obras de arte do mundo inteiro, ele salvaria a vida do gato. Eu espero nunca ter que fazer essa opção.

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